Uma das maneiras que Portugal encontrou de passar para o mundo uma imagem produtiva, trabalhadora e eficiente foi desenvolvendo essa grande instituição que é a reunião. É uma coisa de que nos podemos orgulhar: marcamos muitas reuniões, fazemos muitas reuniões. Traçamos projectos, delineamos estratégias. Em reuniões. E marcamos reuniões. No fim de reuniões.
Fazemos reuniões para planificar trabalhos, mas reunimo-nos tantas vezes que, muitas vezes, ocupamos tempo em que podíamos estar a trabalhar para esses trabalhos para saber como estão a decorrer os trabalhos. É sempre uma altura em que apetece dizer "estariam a decorrer bem, não fosse o caso de eu estar aqui sentado convosco."
Muitas vezes reunimo-nos rapidamente - e ficamos felizes com isso, quer quem marca a reunião, quer quem a frequenta ("É uma coisa rápida!"), e o entusiasmo faz com que nem nos apercebamos de pormenores interessantes como por exemplo o facto do percurso que fazemos até chegar ao local da reunião durar mais tempo a ser percorrido do que a reunião propriamente dita. Geralmente, essas são as reuniões que uma pessoa conclui que podiam ter sido feitas por messenger, skype, e-mails e tecnologias afins - ou mesmo por essa invenção ainda tão inexplorada mas com tanto potencial que é o, como é que se chama aquilo?, telefone.
Continuamos a apostar forte e feio em almoços de trabalho. Confesso que é o meu tipo de reunião preferida porque, todos sabemos, não passa de um pretexto para irmos comer. Digam-me um almoço de trabalho em que tenha, de facto, acontecido algo remotamente parecido com trabalho e eu dou o braço a torcer - mas todos sabemos que o único trabalho que decorre nesses almoços envolve os dentes e consiste na mastigação de víveres. Já agora, tomem nota: 30 vezes cada garfada. Ainda dá trabalho!
Uma característica de boa parte dos almoços de trabalho em que estive é que há um certo pudor em começar a falar do trabalho. É verdade que vamos com a pica toda para começar a trabalhar, mas há qualquer coisa na imagem de um prato com queijinho e azeitonas e uma cesta de pão que bloqueia o fluir da conversa e parece tornar profana e mesmo malcriada a frase "bom, vamos lá a isto" que uma das partes terá, inevitavelmente, que proferir - e que, mentalmente, essas mesmas partes vão atirando uma para a outra, como num jogo de pingue-pongue abstrato e interior.
Seja como for, quando estou com demasiado trabalho, não fujo a um bom almoço de trabalho - é a maneira de evitar enfardar mais uma piza e, ainda por cima, ter alguém a pagar-me a conta. E há almoços de trabalho produtivos - aqueles que conseguem lograr o objetivo maior e supremo que é...marcar um novo almoço de trabalho.
Não estou a dizer com isto que todas as reuniões são inúteis e improdutivas. Estou a dizer é que se devia ser mais criterioso e certeiro, e acabar, por exemplo, com "aquela primeira reunião só para nos conhecermos". Há muitas dessas, e servem para marcar uma segunda reunião em que "já trazemos ideias". Faz-me sempre alguma confusão que não se aproveite o tempo para que, de uma assentada só e numa mesma reunião, se possa fazer conhecimentos e trocar ideias.
Reuniões de trabalho não são saídas românticas. Ao contrário do mundo do dating, numa reunião de trabalho podemos logo avançar sem medos, para...trabalho. Não há nenhuma regra estabelecida que diga que "não senhor, trabalho, só num segundo encontro, nunca num primeiro". Não há a ideia de que começar a trabalhar numa primeira reunião possa ser visto como atrevido e arruinar uma relação. Não temos que "ir com calma".
Dito isto, estou aberto para reuniões. Para mim, pode ser arroz de marisco.
Nuno Markl,
Revista Única, 02/07/2011
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